Abrir um CNPJ é um passo essencial para médicos que desejam formalizar a abertura de um consultório próprio. No entanto, é comum surgirem dúvidas sobre qual tipo de empresa adotar, já que essa decisão impacta diretamente na carga tributária, na burocracia envolvida e na gestão financeira do negócio.
Neste artigo, vamos apresentar, de forma geral, como funcionam as principais naturezas jurídicas e regimes tributários disponíveis para profissionais da saúde.
Se você se formou recentemente e ainda tem dúvidas se pode abrir o seu consultório, baixe a checklist e siga a lista para não errar!
A seguir, você entenderá qual é o tipo de empresa mais adequado para registrar o seu consultório, considerando as vantagens e desvantagens de cada opção.
Natureza jurídica: qual a estrutura ideal para médicos?
A natureza jurídica define a forma legal da empresa, incluindo responsabilidades dos sócios, capital social e tipo de registro. As principais opções para médicos são as seguintes:
1. Sociedade Simples
A Sociedade Simples é aquela que deve ser estabelecida por no mínimo dois profissionais de saúde.
Nesta modalidade, o registro é feito no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Essa estrutura permite atuação conjunta, com divisão de lucros e responsabilidades. Ela é muito comum entre profissionais de saúde que compartilham de um mesmo local de trabalho, constituindo assim uma sociedade formal entre eles e compartilhando os riscos de um possível fracasso do empreendimento.
É importante frisar que, nesta modalidade, não é possível que um dos sócios fique isento de participar dos lucros e/ou perdas do negócio – como previsto no artigo 1.008 do Código Civil.
Dessa forma, no caso da contração de dívidas pela clínica, primeiramente os bens da sociedade serão utilizados para o pagamento. Se não forem suficientes, os bens pessoais dos sócios podem ser usados proporcionalmente à participação no capital.
Por isso, é muito importante pensar muito bem quanto à escolha de um sócio, e é imprescindível que você contrate um advogado para auxiliar no processo de confecção do Contrato Social entre as partes.
Outro fator muito importante é que a Sociedade Simples deve obrigatoriamente se limitar à atividade específica que consta em seu Contrato Social.
Dessa forma, se os sócios decidem por aumentar os serviços oferecidos pela clínica a atividades diferentes da prática da medicina, configurando a organização como empresa, a Natureza Jurídica mudará para Sociedade Empresária e, consequentemente, também mudarão as leis que a regem.
A Sociedade Simples é indicada para clínicas com dois ou mais médicos que atuam na mesma especialidade. Pode ser tributada pelo Simples Nacional, se respeitado o limite de faturamento de R$ 4,8 milhões.
2. Sociedade Limitada
As Sociedades Limitadas são também formadas por dois ou mais profissionais, porém não necessariamente os sócios devem compartilhar da mesma atividade profissional (Sociedade Empresária).
Portanto, esta categoria de sociedade configura-se como uma empresa e, assim, deve ser inscrita na Junta Comercial e esta é sua principal diferença quanto à Sociedade Simples – do mais, suas normas são relativamente semelhantes e diferem em aspectos mais específicos.
Outra grande diferença é que o patrimônio pessoal dos sócios não é comprometido com as dívidas da empresa, salvo em casos de fraude ou desconsideração da personalidade jurídica.
Essa forma societária é mais bem vista no mercado e pode transmitir uma imagem de maior estrutura e profissionalismo, especialmente para médicos que desejam expandir suas operações ou contratar funcionários.
3. Sociedade Limitada Unipessoal (SLU)
Com a promulgação da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), passou a ser possível a constituição de uma Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), uma alternativa moderna e eficiente para médicos que desejam abrir um consultório individual com CNPJ, mas sem a necessidade de um sócio.
A SLU mantém as vantagens da sociedade limitada no que diz respeito à responsabilidade patrimonial, permitindo a separação clara entre os bens da empresa e os bens pessoais do médico.
Antes da SLU, a única possibilidade de limitar a responsabilidade de uma pessoa física sozinha era a EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), que exigia um capital social mínimo de 100 salários mínimos.
Com a entrada em vigor da nova lei, a EIRELI foi extinta pela Lei nº 14.195/2021, sendo suas empresas automaticamente transformadas em SLU. A SLU não exige capital mínimo e pode ser registrada diretamente na Junta Comercial, apresentando-se como uma das melhores opções para médicos que atuam de forma individual, mas desejam uma estrutura jurídica mais segura e profissional.
4. Empresa Individual
Outra possibilidade é a constituição de um consultório como Empresa Individual, registrada na Junta Comercial e vinculada diretamente ao CPF do médico.
Nessa estrutura, o médico é o único titular da empresa, mas não há separação entre seu patrimônio pessoal e o patrimônio da atividade. Isso significa que, em caso de dívidas ou obrigações fiscais, os bens pessoais do empresário podem ser usados para saldar débitos da empresa.
A empresa individual pode parecer uma opção simples e de fácil abertura, mas, por não oferecer limitação de responsabilidade, é geralmente desaconselhada para atividades como a medicina, em que os riscos legais e financeiros são elevados.
Médico pode ser MEI?
Médicos não podem se enquadrar como Microempreendedores Individuais (MEI). O regime do MEI foi criado para formalizar atividades econômicas de pequeno porte, com baixo faturamento e estrutura simplificada.
A legislação que regulamenta o MEI (Lei Complementar nº 123/2006) veda expressamente o enquadramento de profissionais liberais regulamentados, como médicos, dentistas, advogados e engenheiros. Isso ocorre porque o MEI é voltado a atividades que não exigem formação superior nem inscrição em conselhos de classe.
Sendo assim, médicos que desejam formalizar suas atividades devem optar por outras formas jurídicas, como as mencionadas anteriormente.
Regime Tributário: qual é o modelo mais vantajoso para os médicos?
A escolha do regime tributário é uma decisão estratégica para qualquer profissional da área médica que deseje formalizar seu serviço por meio de pessoa jurídica. Essa escolha impacta diretamente na carga tributária, na burocracia envolvida e na rentabilidade da atividade médica.
Os três principais regimes disponíveis no Brasil são o Simples Nacional, Lucro Presumido e Lucro Real, que oferecem vantagens e desvantagens que variam de acordo com o porte da clínica, a estrutura de custos e o planejamento tributário adotado. A seguir, conheça mais cada um deles.
1. Simples Nacional
O Simples Nacional é um regime tributário simplificado destinado a micro e pequenas empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, o que equivale a um faturamento médio mensal de até R$ 400 mil. Para médicos, esse regime oferece alíquotas reduzidas e menor burocracia.
As alíquotas do Simples Nacional oscilam entre 6% e 33%, a depender da faixa de receita. Nesse sistema, os médicos devem observar a regra do Fator R, que é um cálculo mensal realizado para definir como a empresa será tributada, conforme as diretrizes do “Anexo III” ou do “Anexo V”, como podemos ver a seguir:
- Anexo III: aplicável quando a folha de pagamento (incluindo pró-labore) representa 28% ou mais do faturamento bruto. As alíquotas variam de 6% a 33%, dependendo da faixa de receita;
- Anexo V: utilizado quando a folha de pagamento é inferior a 28% do faturamento. As alíquotas vão de 15,5% a 30,5%.
As vantagens dessa modalidade incluem o recolhimento dos impostos em guia única mensal, menor complexidade administrativa e alíquotas reduzidas, especialmente quando enquadrado no Anexo III.
Em contrapartida, a sua principal desvantagem é o teto de faturamento anual, o que pode ser um ponto negativo para médicos que desejam expandir suas atividades.
2. Lucro Presumido
O Lucro Presumido é indicado para pequenas e médias empresas, com faturamento anual de até R$ 78 milhões.
Nesse regime, a base de cálculo dos tributos é determinada por uma presunção de lucro fixada por lei. Para clínicas médicas, presume-se que 32% da receita bruta corresponde ao lucro, sobre o qual incidem os tributos federais IRPJ e CSLL.
As alíquotas efetivas ficam, em média, entre 13,33% e 16,33%, dependendo da alíquota de ISS no município, e correspondem aos seguintes tributos:
- IRPJ: 4,8% (15% sobre 32% da receita)
- CSLL: 2,88% (9% sobre 32% da receita)
- PIS: 0,65%
- COFINS: 3%
- ISS: 2 a 5%
De modo geral, esse regime envolve procedimentos menos complexos do que o Lucro Real e pode ser especialmente vantajoso para clínicas com margens de lucro mais elevadas, uma vez que os tributos são calculados com base em uma estimativa legal de lucro, e não no lucro efetivamente apurado.
3. Lucro Real
O Lucro Real é exigido para empresas com faturamento superior a R$ 78 milhões, mas também pode ser adotado por clínicas que, mesmo abaixo desse limite, possuem altos custos operacionais, muitas despesas dedutíveis ou operam com margens de lucro reduzidas.
Em linhas gerais, ele funciona de maneira mais detalhada em comparação com Lucro Presumido, e cada tributo é recolhido separadamente. Nessa modalidade, o cálculo do IRPJ e CSLL é feito sobre o lucro líquido da empresa, e as alíquotas são as seguintes:
- IRPJ: 15% sobre o lucro líquido
- CSLL: 9% sobre o lucro líquido
- PIS: 1,65%
- COFINS: 7,6%
- ISS: 2 a 5%
Esse tipo de regime é vantajoso para clínicas com estrutura robusta, alta folha de pagamento e planejamento tributário detalhado. A apuração dos tributos é mais complexa, mas também fica mais ajustada à realidade financeira do negócio.
Além disso, no Lucro Real, como os tributos incidem sobre o lucro líquido efetivamente apurado, despesas como aluguel, salários, encargos e aquisição de equipamentos podem ser deduzidas. As alíquotas são mais altas, mas podem resultar em carga tributária menor quando o lucro for baixo, por exemplo.
O que muda com a nova Reforma Tributária?
A Reforma Tributária trouxe alterações relevantes nos regimes tributários, unificando tributos sobre o consumo e redesenhando as bases de cálculo do Simples Nacional, Lucro Presumido e Lucro Real.
Para os profissionais da saúde, essas mudanças afetam diretamente a escolha do regime tributário e o planejamento fiscal da clínica.
Apesar da transição gradual prevista até 2032, médicos que planejam abrir consultório ainda este ano, devem se preparar para essas mudanças. A seguir, entenda o que muda.
A nova reforma tributária introduz dois novos impostos, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituem tributos como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS.
Além disso, também foi criado o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre produtos e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas, cigarros, pesticidas e veículos poluentes, por exemplo.
Essa substituição promete simplificar a legislação tributária brasileira e é inspirada no modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que é utilizado globalmente.
As alíquotas padrão estimadas para os novos tributos são:
- CBS: 9,3%
- IBS: 18,7%
O que totaliza uma carga tributária de aproximadamente 28% sobre o consumo.
No entanto, o governo federal se comprometeu a adotar medidas para que a alíquota total seja inferior a 26,5% até 2030. Além disso, haverá reduções de alíquotas para setores essenciais, como saúde.
A transição para o novo modelo será gradual, com início em 2026 e conclusão em 2033. A seguir, entenda como ocorrerão essas mudanças:
- 2026: início do período de testes, com alíquotas simbólicas de 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS. A cobrança do ICMS e do ISS começa a ser reduzida de maneira escalonada;
- 2027: a CBS entra em vigor com alíquota cheia, resultando na extinção do PIS e Cofins. Haverá redução a zero das alíquotas do IPI (exceto para produtos da Zona Franca de Manaus);
- 2033: o novo sistema entra em vigor plenamente, com a extinção definitiva de ICMS, ISS.
A importância do contador ao abrir um consultório
A formalização de um consultório médico não se resume apenas à escolha da natureza jurídica e ao registro do CNPJ. Após a abertura da empresa, inicia-se uma rotina fiscal, contábil e trabalhista que exige atenção contínua e, idealmente, a assessoria de um contador especializado na área da saúde.
A atuação do profissional da contabilidade é fundamental para garantir o correto enquadramento tributário, a regularidade fiscal e o aproveitamento de benefícios legais, evitando riscos financeiros e jurídicos.
Uma das primeiras decisões a ser orientada por um contador é o enquadramento tributário da empresa. A partir disso, ele pode fazer simulações e análises individualizadas, considerando o perfil do consultório, os custos operacionais e o volume de receitas para entender a melhor opção para você.